Enquanto você lê esse texto, uma estrutura composta por uma longa barreira em forma de U está vagando lentamente pelo oceano em busca de plásticos. Esse mecanismo foi projetado para resolver um enorme problema ambiental. O “System 002”, também conhecido como Jenny, voltou no final de julho de 2021 para a Grande Mancha do Pacífico (Great Pacific Garbage Patch). Essa mancha está localizada entre o Havaí e a Califórnia.
O sistema espera fazer a limpeza experimental em grande escala (800 metros de comprimento). O objetivo deste projeto é capturar o plástico de forma mais eficiente e eficaz em relação ao modelo anterior e o esperado é que ele seja mais comercialmente viável. A empresa responsável por esse dispositivo é a The Ocean Cleanup e o objetivo dela é conseguir remover 90% do plástico oceânico flutuante até 2040.
O System 002 vai guiar o plástico até uma zona de retenção. Uma vez cheia, a zona de retenção será içada a bordo de um navio. Se funcionar, o dispositivo pode retirar uma enorme quantidade de plástico transportado do oceano. Mas uma vez que o plástico é coletado, as opções não são boas. É aí que os especialistas em ética ambiental começam a pensar sobre onde esse plástico irá em seguida. O oceano fica melhor sem ele, é claro, mas o problema do plástico tem muito mais camadas do que parece à primeira vista.
A luta para classificar os plásticos
A reciclagem do plástico só é possível se ele puder ser separado em seus vários tipos. O que as pessoas geralmente descrevem com a única palavra “plástico” abrange sete tipos principais de materiais – aqueles usados para fazer garrafas de refrigerante, sacos de lixo, filme plástico, sacolas de compras, recipientes de iogurte, redes de pesca, isolamento de espuma e peças não metálicas de muitos electrodomésticos. A reciclagem de cada um desses tipos requer um processo químico diferente.
É por isso que muitos programas de reciclagem doméstica pedem aos residentes que separem e limpem seus plásticos. Como normalmente as pessoas colocam todos os tipos de recicláveis em uma grande lata de lixo, é necessário depois empregar pessoas e máquinas para separar esse material.
A classificação não será fácil com o plástico no oceano. Todos os diferentes tipos de plástico estão misturados, e alguns deles foram química e fisicamente quebrados pela luz do sol e pela ação das ondas. Grande parte agora está em pequenos pedaços chamados microplásticos, suspensos logo abaixo da superfície. A primeira dificuldade, mas não a última, será separar todo aquele plástico – além de algas, cracas e outras formas de vida marinha que podem ter se aderido aos detritos flutuantes.
Reciclagem ou downcycling?
A The Ocean Cleanup está trabalhando na melhor forma de reprocessar e marcar o material que coleta. Mesmo que os engenheiros e pesquisadores da empresa consigam descobrir como separar tudo, há limitações físicas para a utilidade do plástico coletado.
O ato de reciclar envolve triturar materiais em pedaços muito pequenos antes de derretê-los e reformá-los. Uma parte inevitável desse processo é perdida a cada vez que o plástico é reciclado. Esse processo é conhecido como Downcycling, um termo que, em tradução livre, significa “reciclagem para baixo”. Tem esse nome porque ao usar um material para fabricar um novo produto, o resultado acaba sendo um produto de menor valor que o produto original. Isso acontece porque os polímeros (as longas sequências químicas que compõem os plásticos) se tornam mais curtos.
De modo geral, os tipos de plástico mais leves e flexíveis só podem ser reciclados em materiais mais densos e mais duros – a menos que grandes quantidades de novo plástico virgem sejam adicionadas à mistura. Após uma ou duas rodadas de reciclagem, as possibilidades de reutilização tornam-se muito limitadas. Nesse ponto, o material plástico “reciclado” é transformado em têxteis, pára-choques de automóveis ou madeira plástica. Na sequência, esses produtos acabam nos aterros porque esse plástico “inferior” se torna lixo.
Compostagem de plásticos
E se houvesse uma maneira de garantir que o plástico fosse verdadeiramente reciclável a longo prazo? A maioria das bactérias não pode degradar os plásticos porque os polímeros contêm fortes ligações químicas carbono-carbono que diferem de tudo o que as bactérias evoluíram ao longo da natureza. Felizmente, após estar no meio ambiente com plásticos descartados pelo homem por várias décadas, as bactérias parecem estar evoluindo para usar essa matéria-prima sintética que permeia a vida moderna.
Em 2016, uma equipe de biólogos e cientistas de materiais encontrou uma bactéria que pode comer o tipo específico de plástico usado em garrafas de bebidas. A bactéria transforma o plástico PET em substâncias mais básicas que podem ser refeitas em plásticos virgens. Após identificar a enzima chave no processo de digestão do plástico da bactéria, a equipe de pesquisa passou a projetar deliberadamente a enzima para torná-la mais eficaz. Neste ponto, as descobertas estão funcionando apenas em condições de laboratório e apenas em um dos sete tipos de plásticos.
Enzimas sintéticas e bactérias
Descobrir a bactéria que se alimenta de plástico e sua enzima exigiu muita observação, espera e testes . A evolução nem sempre é rápida. As descobertas sugerem a possibilidade de descobrir enzimas adicionais que funcionam com outros plásticos. Mas também levantam a possibilidade de resolver o problema por conta própria e criar enzimas e micróbios.
Proteínas completamente artificiais codificadas por genes construídos sinteticamente já estão agindo como enzimas artificiais e catalisando reações nas células. Em outros laboratórios, genomas sintéticos construídos inteiramente de frascos de produtos químicos agora conseguem operar células bacterianas.
O futuro exige cautela
A próxima era da biologia sintética promete mudar o que os organismos podem fazer. As bactérias não serão mais apenas formas de vida que ocorrem naturalmente; alguns, até mesmo muitos, serão micróbios construídos especificamente para fornecer funções úteis aos humanos, como a compostagem de plástico. Os plásticos que poluem os oceanos do mundo precisam ser limpos.
Trazê-los de volta à terra reforçaria o fato de que, mesmo em uma escala global, é impossível jogar o lixo “fora” – ele simplesmente vai para outro lugar por um tempo. Mas as pessoas devem ter muito cuidado com o tipo de soluções tecnológicas que empregam. É preciso resolver o problema dos plásticos espalhados pelos oceanos com cuidado. Afinal, trilhões de proteínas ou bactérias produzidas sinteticamente para limpá-los para limpar resíduos têm que ser controladas para não causar um desequilíbrio ainda maior.